Diálogos Interiores - IV
Era uma vez um homem com um problema. Não era só um homem nem um só problema. Era uma multidão, que se misturava em muitos cambiantes, intricados e inextrincáveis.
Pelo menos à primeira vista. Uma sensação de vazio acompanhava-o e apertava-lhe a garganta, impondo um retiro forçado e um silêncio musical.
Há qualquer coisa que nos chama a uma acção impossível, legalmente falando, como que uma estepe que nós criemos à frente, para podermos caminhar; um não querer ouvir falar dentro de nós, um não aceitar o sentimento, uma angústia que nos dança nas pupilas, um desespero calmo e horrendo que nos faz vacilar, com um sorriso nos lábios.
E há ela… ela que espera… que não pode fazer outra coisa… porque o seu problema é precisamente esse, o de sentir que não pode fazer outra coisa… uma sensação de anulamento lento e implacável.
É preciso descarregar! Para não nos fecharmos dentro da conchita… estar só contra o mundo é duro demais…
(…)
Fez-nos bem. Não que isso nos aliviasse completamente. Não! Porque, a substituir um peso, um peso indefinível que nos esmagava perante a nossa impotência, surge um outro, resultante da explosão interior, ou por outras, do “salto”: o peso da consciência total do que é preciso fazer para nos tirar o peso.
Bem grande, esse, apesar de nos fazer sentir tão angustiados, por dele termos completa consciência; o peso de nunca desistir, de nunca deixar para amanhã o que pode ser já feito, o peso de nos responsabilizarmos agora pela nossa própria felicidade, nem que seja em prejuízo dos outros, embora procurando todos os meios para evitá-lo. Uma escolha entre viver e morrer, entre a nossa vida juntamente com a daqueles que estão em igualdade de circunstâncias, e um evitar que outros sejam apenas um nadinha menos felizes porque esperavam de nós coisas ideais para eles, mas não ideais para nós, à custa do sacrifício do nosso máximo ideal e que para esses não conta, a liberdade!
Sim, a liberdade de pensar, de agir, de sentir! É esta trilogia que guia qualquer espírito aberto e inteligente (há quem o chame de científico). Só livremente é que podemos nos prender a qualquer coisa, sem que ela mais tarde se venha a impor por estar já interiorizada, quando a quisermos rejeitar por evolução da nossa maneira de pensar, de agir, de sentir…
Porque o espírito humano é incansável.
Imagina só um cientista, por exemplo. Supõe que ele não tivesse esta liberdade, nos assuntos que estuda. Estaria amarrado de pés e mão e dele não brotaria obra alguma. Vê como ele trabalha e pensa, como necessita de renovar o seu vocabulário, rejeitar teorias anteriores da ciência tradicional, para poder oferecer ao mundo algo de verdadeiramente novo, refrescante.
Toda a limitação à liberdade é acompanhada de um sentimento verdadeiramente justo de angústia. O tabu, seja ele sexual, de sentimentos, relações afectiva, sensibilidade, etc., é a melhor arma dos inimigos da liberdade, dado que nos é imposto desde pequenos, introduz-se-nos na mente, passando a fazer parte do nosso super-ego e, a partir daí, passamos a agir como cordeiros, se não tivermos consciência de que é preciso combater.
- C@nd., 8 de Outubro de 1979
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