Monday, October 27, 2008

Momento Revivalista do Dia


Diálogos Interiores – VII


Vou-me enterrar num sistema, é inevitável.
Não lhe tenho amor, nem amizade,
Nem sequer carinho,
Mas é inevitável.

Adeus, infância; ainda hoje te vi
E já estou tão longe, tão velho…
Adeus, bonequita que enfeitiçaste os meus sonhos,
E me abriste os horizontes sexuais,
Lembro bem o tom de oiro
Dos teus cabelos, os primeiros,
E lembro-me
Do momento exacto em que
Descobri a verdade e senti vergonha e medo
Do que te fiz, e que me fizeste.
Era inevitável.

Vou aceitar a minha morte, hoje.
Hoje em dia já não há mortes como antigamente,
Fictícias, a rebolar pela relva, soltando esgares
Assustadores.
Lembro bem os teus olhos semi-assustados, semi-aliciados,
(A malícia do teu olhar indecente
A alimentar tudo),
A saber que era tudo brincadeira.

Hoje vou fazer uma morte de verdade.
Não uma morte física, claro,
E, também não, nenhuma morte completa.
Não, nada de grave,
É só a morte da minha infância,
Uma pequena parte de mim, sem importância…

Não me chorarás mais
Porque já serei o outro, o anterior morreu,
E era esse que amavas.
A lua substituir-me-á, e a sua profunda frieza
Comigo se identificará, hoje,
Da mesma forma que substitui e identifica o sol,
Quando este mergulha em busca de novos horizontes,
E se afoga em outras sensações (menos escrupulosas…)

Nada de flores. Quero esquecer a minha infância. Escurecê-la.
Adeus, ilusão de amor único,
Crença na descrença, dúvida perpétua.
Adeus, imaginação livre sem parâmetros limitadores.
Adeus, fugas descaradas à realidade, ao etecetra.
Adeus, sombras irreais, corredores escuros, ideais maravilhosos
E gigantescos,
Anti-educação, anti-adaptação, anti-cristo;
Amoralidade e não imoralidade.

Porque era inevitável.

Olá, todo o mundo!
Morri e ressuscitei outro. Hoje,
Vou continuar a viver.

- C@nd., 1 de Junho de 1980.

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