Diálogos Interiores - I
Era uma vez um homem chamado Jones. Um ser invulgar, embora isso não se notasse à primeira vista. Nem à segunda. Havia nos olhos brilhantes uma certa fixidez, que produzia uma impressão de minúcia e profundidade. No entanto, qualquer cosa do seu aspecto atraiçoava uma aparência tranquila. Irradiava dele esse sentimento de segurança que não tinha e que era próprio da sua personalidade. Uma espantosa contradição, sem dúvida, mas conciliava-se naquele homem como uma luva.
Dava-nos a ideia de um tipo sem complexos nem preconceitos, subitamente envolvido no torvelinho de uma sociedade funcionando precisamente com base naquilo que não tinha, mas que o enfrentasse audaciosamente.
Todo ele era, aliás, contradição. As botas de caça, duma cor neutra, inexpressiva, estavam cobertas de uma fina camada de poeira, que deixava entrever o bem tratadas que eram. As calças justas faziam contraste com a camisola largueirona, ambas também de cores baças e neutras. O cabelo em desalinho e as unhas um pouco sujas completavam o quadro.
(…)
- Caro Jones. Estou farto, deprimido, chateado com as tuas atitudes, meu rapaz (…). Já é tempo de te dizer umas palavrinhas. Isto não pode continuar assim… Procuras desorientar-me, (à tua própria consciência!...) com os teus argumentos preguiçosos, mas não o conseguirás, como já sabes. Se alguma vez o conseguiste, isso foi no tempo em que eu ainda não tinha tomado consciência (irónico, não?) da tua necessidade de estabelecer a confusão, como se disso dependesse a tua sobrevivência e o teu sossego.
É isso! Pode ser que tenhas razão. Talvez seja mesmo primordial para ti que as pessoas não abram os olhos nem lavem os ouvidos. Agrada-me essa possibilidade. Ela significa possuíres um ponto fraco. Esse ponto está bem camuflado e defendido, com certeza. Mas não é inalcançável. Basta vencer a barreira das limitações pessoais para te derrubar como um boneco.
“Mas se assim é”, dir-me-ás, “porque é que jamais alguém me derrubou?”
Pois é! Aí é que está o busílis. Ninguém te derruba. Porquê, francamente não percebo. Mas sei outras coisas. Por exemplo, porque tu fazes parte de mim, da mesma maneira como eu faço parte de ti, nós somos uma e uma só entidade pensante, separada por uma teia de localização vaga e incerta. E tudo isso já não constitui problema algum. Se falhei nas minhas anteriores tentativas, estou convencido, mais uma vez, e mais do que nunca, que agora encontrei o processo de te quilhar.
Esse processo, meu querido amigo, passa por um método firme e sólido, como todos os métodos científicos. Como eles, este é, além do mais, afecto à própria ciência em estudo. Em geral, a escolha do modelo só é feita à custa de muitas tentativas.
“Qual é então”, perguntar-me-ás, ”o critério seguido na selecção do modelo metodológico?”
Responder-te-ei que tive sorte! Segui o critério dos factos, das realidades. E também, por acaso, o dos resultados. Sim, resultados! Não queres crer? É verdade, cheguei a conclusões muito positivas. Estou finalmente orientado no caminho que te conduzirá à rendição: o percurso da Vontade.
- O paternalismo mental, histórico, próprio dos ditadores… Consciência, minha adorável perseguidora, dá-me uma definição de método.
- Método: Portão para a orientação. Que tal, Jones?
- Prefiro esta: Portão para a limitação. Olha o que me estás a tentar fazer. Limitar-me! Consciência, vai para o diabo. Duma coisa me orgulho: não é qualquer um que tem uma Consciência que só o impede de fazer, precisamente aquilo que é a única coisa permitida pelas consciências habituais. Mas, como sempre, tudo é válido quando se trata de fugir aos “apertos” e subordinações do exterior. Alto e bem alto, clamarei: Eu sou um insubordinado puro! Um imaturo puro! Um doido puro! (…)
- C@nd., “Diálogos Interiores, 1978”
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