Thursday, April 24, 2008

Dissertação do Dia

O Cómico

Se traçássemos um círculo em volta das acções e disposições que comprometem a vida social ou individual e que pelas suas consequências naturais a si próprias se castigam, ficaria fora deste terreno de emoção e luta, numa zona neutra onde o homem se dá simplesmente em espectáculo ao homem, uma certa rigidez de corpo, de espírito e de carácter, que a sociedade gostaria ainda de eliminar, para obter dos seus membros o máximo de maleabilidade e a mais alta sociabilidade possível. Esta rigidez é o cómico, e o riso é o seu castigo. Exemplos:

  1. Palavras dum deputado, interpelando um ministro no dia seguinte ao de um crime cometido no caminho-de-ferro: « O assassino, depois de ter morto a vítima, deve ter descido do comboio do outro lado da linha, violando os regulamentos administrativos. » (…)
  2. Um médico para o outro: « O raciocínio que acabais de fazer é tão douto e tão belo que é impossível que o doente não seja melancólico hipocondríaco; e mesmo que se desse o caso de o não ser, teria que passar a sê-lo, em homenagem à excelência das coisas que dissestes e ao acerto do raciocínio que fizestes. » (Molière) (…)
  3. Um filósofo contemporâneo, polemista encarniçado, a quem quiseram fazer ver que os seus raciocínios irrepreensivelmente deduzidos tinham contra si a experiência, pôs fim à discussão com estas simples palavras: « A experiência está errada! » (…)
  4. O senhor Perrichon, no momento de subir para a carruagem, verifica se não se esqueceu de nenhum dos seus volumes: « Quatro, cinco, seis, minha mulher sete, minha filha oito e eu nove. » (…)
  5. Uma mulher rabugenta exige do marido que ele faça todos os trabalhos domésticos; e dá-lhe os pormenores da sua tarefa numa lista. Ainda que ela caia para dentro de uma pipa, o marido recusa-se a ir tirá-la: « Não está na lista! » (…)
  6. Diz o preguiçoso: « Não gosto de trabalhar entre as refeições. » Ou: « Quando vires alguém a descansar, ajuda-o. » (…)
  7. Um amigo para o outro: «A Bolsa é um jogo perigoso. Ganha-se num dia, perde-se no dia seguinte ». Responde-lhe o outro: “Então, jogo dia sim, dia não. »

- Henri Bergson

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