O Cómico
Se traçássemos um círculo em volta das acções e disposições que comprometem a vida social ou individual e que pelas suas consequências naturais a si próprias se castigam, ficaria fora deste terreno de emoção e luta, numa zona neutra onde o homem se dá simplesmente em espectáculo ao homem, uma certa rigidez de corpo, de espírito e de carácter, que a sociedade gostaria ainda de eliminar, para obter dos seus membros o máximo de maleabilidade e a mais alta sociabilidade possível. Esta rigidez é o cómico, e o riso é o seu castigo. Exemplos:
- Palavras dum deputado, interpelando um ministro no dia seguinte ao      de um crime cometido no caminho-de-ferro: « O assassino, depois de ter      morto a vítima, deve ter descido do comboio do outro lado da linha,      violando os regulamentos administrativos. » (…)
 - Um médico para o outro: « O raciocínio que acabais de fazer é tão      douto e tão belo que é impossível que o doente não seja melancólico      hipocondríaco; e mesmo que se desse o caso de o não ser, teria que passar      a sê-lo, em homenagem à excelência das coisas que dissestes e ao acerto do      raciocínio que fizestes. » (Molière)  (…)
 - Um filósofo contemporâneo, polemista encarniçado, a quem quiseram      fazer ver que os seus raciocínios irrepreensivelmente deduzidos tinham      contra si a experiência, pôs fim à discussão com estas simples palavras: «      A experiência está errada! » (…)
 - O senhor Perrichon, no momento de subir para a carruagem, verifica      se não se esqueceu de nenhum dos seus volumes: « Quatro, cinco, seis,      minha mulher sete, minha filha oito e eu nove. » (…)
 - Uma mulher rabugenta exige do marido que ele faça todos os      trabalhos domésticos; e dá-lhe os pormenores da sua tarefa numa lista.      Ainda que ela caia para dentro de uma pipa, o marido recusa-se a ir      tirá-la: « Não está na lista! » (…)
 - Diz o preguiçoso: « Não gosto de trabalhar entre as refeições. »      Ou: « Quando vires alguém a descansar, ajuda-o. » (…)
 - Um amigo para o outro: «A Bolsa é um jogo perigoso. Ganha-se num      dia, perde-se no dia seguinte ». Responde-lhe o outro: “Então, jogo dia      sim, dia não. »  
 
- Henri Bergson
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