Saturday, June 28, 2014

Poesia em Prosa da Semana

(…) A Via Láctea... e ao contemplá-la também Shimamura teve a impressão de nadar dentro dela, de tal modo a sua fosforescência lhe parecia próxima. Era como se ela o tivesse aspirado para dentro de si. Teria sido sob a impressão desta imensidade esplendorosa, deslumbrante, que Bashô a descrevera como um arco de paz sobre um mar enfurecido? Justamente por cima dele, a Via Láctea inclinava a sua abóbada, estreitando a terra nocturna num abraço límpido, indecifrável, sem inquietação. Imagem pura e próxima de uma terrível volúpia, sob a qual, por breves instantes, Shimamura viu representada a sua própria silhueta, recortada numa sombra tão múltipla como as estrelas, de tal modo insuperavelmente repetida, que havia lá no alto, partículas de prata na luz leitosa e até no reflexo cintilante das nuvens, das quais cada gota ínfima e irradiante de luz se confundia com a sua infinidade, de tal modo o céu era claro, de uma limpidez e de uma transparência inconcebíveis. Shimamura não podia afastar do seu olhar este manto sem fim, este céu infinitamente ténue, subtilmente tecido no infinito.


- Yasunari Kawabata, em “Terra de Neve” 

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