(…) A Via Láctea... e ao contemplá-la também
Shimamura teve a impressão de nadar dentro dela, de tal modo a sua
fosforescência lhe parecia próxima. Era como se ela o tivesse aspirado para
dentro de si. Teria sido sob a impressão desta imensidade esplendorosa,
deslumbrante, que Bashô a descrevera como um arco de paz sobre um mar
enfurecido? Justamente por cima dele, a Via Láctea inclinava a sua abóbada,
estreitando a terra nocturna num abraço límpido, indecifrável, sem inquietação.
Imagem pura e próxima de uma terrível volúpia, sob a qual, por breves instantes,
Shimamura viu representada a sua própria silhueta, recortada numa sombra tão
múltipla como as estrelas, de tal modo insuperavelmente repetida, que havia lá
no alto, partículas de prata na luz leitosa e até no reflexo cintilante das
nuvens, das quais cada gota ínfima e irradiante de luz se confundia com a sua
infinidade, de tal modo o céu era claro, de uma limpidez e de uma transparência
inconcebíveis. Shimamura não podia afastar do seu olhar este manto sem fim,
este céu infinitamente ténue, subtilmente tecido no infinito.
- Yasunari Kawabata, em “Terra de Neve”
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