Poucos são os gigantes da alma que realmente sentem a raça humana como se ela fosse o seu círculo familiar. – Freya Stark
Bem-Vindo
Wednesday, April 30, 2008
Frase do Dia
Poema Duplo do Dia
Voando vai para a praia
Leonor na estrada preta
Vai na brasa de lambreta.
Leva calções de pirata,
vermelho de alizarina,
modelando a coxa fina
de impaciente nervura.
Como guache lustroso,
amarelo de indantreno
blusinha de terileno
desfraldada na cintura.
Fuge, fuge, Leonoreta.
Vai na brasa, de lambreta.
Agarrada ao companheiro
na volúpia da escapada
pincha no banco traseiro
em cada volta da estrada.
Grita de medo fingido,
que o receio não é com ela,
mas por amor e cautela
abraça-o pela cintura.
Vai ditosa, e bem segura.
Como um rasgão na paisagem
corta a lambreta afiada,
engole as bermas da estrada
e a rumorosa folhagem.
Urrando, estremece a terra,
bramir de rinoceronte,
enfia pelo horizonte
como um punhal que se enterra.
Tudo foge à sua volta,
o céu, as nuvens, as casas,
e com os bramidos que solta
lembra um demónio com asas.
Na confusão dos sentidos
já nem percebe, Leonor,
se o que lhe chegou aos ouvidos
são ecos de amor perdidos
se os rugidos do motor.
Fuge, fuge, Leonoreta.
Vai na brasa, de lambreta.
- António Gedeão, Máquina de Fogo, 1961
LEONOR PELA VERDURA
Descalça vai pera a fonte
Lianor pela verdura:
Vai fermosa, e não segura.
Leva na cabeça o pote,
O testo nas mãos de prata,
Cinta de fina escarlata,
Sainho de chamalote;
Traz a vasquinha de cote,
Mais branca que a neve pura:
Vai fermosa, e não segura.
Descobre a touca a garganta,
Cabelos de ouro o trançado,
Fita de cor de encarnado;
Tão linda que o mundo espanta.
Chove nela graça tanta,
Que dá graça à formosura:
Vai fermosa, e não segura.
- Luís Vaz de Camões
Psicologia do Dia
Ser-se misterioso é a única maneira de conseguir aparentar uma profundidade que não se possui. – C@nd.
Tuesday, April 29, 2008
Desassombro do Dia
A Política
A política, no sentido pejorativo da palavra, é uma das várias manifestações da luta pela sobrevivência; é o antónimo psicológico da sinceridade. Faz política, todo aquele que faz uso da palavra para dar ou obter mais qualquer coisa do que aquilo que é dado pelo seu puro significado. Uma política aberta não tem sentido. Toda ela se faz com um intuito secreto. Refiro-me, é claro, à política praticada por cada um no dia-a-dia.
Num ambiente em que a necessidade de sobrevivência e de se realizar exige, acima de tudo, supremacia sobre outros indivíduos, esta só é conseguida: através de uma luta não totalmente consciente, umas vezes disfarçada sob a capa de valores morais, outras vezes admitida como pecado irresistível num mundo de pecadores inatos, no qual estamos todos incluídos; através de uma batalha desesperada contra a maioria e pela minoria à qual nos esforçamos por integrar.
– C@nd.
Definição do Dia
O medo é a principal fonte da superstição, e uma das principais fontes da crueldade. Vencer o medo é o início da sabedoria. – Bertrand Russel
Monday, April 28, 2008
Frase do Dia
Um homem engana-se, não apenas por conhecer opiniões enganosas, mas porque gosta delas. - Morton Thompson
Poema do Dia
A um poeta
Posto à sombra dos cedros seculares,
Como um levita à sombra dos altares,
Longe da luta e do fragor terreno,
Acorda! É tempo! O sol, já alto e pleno,
Afuguentou as larvas tumulares...
Para surgir do seio desses mares,
Um mundo novo espera só um aceno...
Escuta! É a grande voz das multidões!
São teus irmãos, que se erguem! são canções...
Mas de guerra... e são vozes de rebate!
Ergue-te pois, soldado do Futuro,
E dos raios de luz do sonho puro,
Sonhador, faze espada de combate!
- Antero de Quental
Momento Psicológico do Dia
'Sam' tinha convicções de homem solitário e meditativo; tinha também a profunda lealdade e a capacidade afectiva dos solitários, (…) um modo amigo de falar e olhar, (…) fosse para homens ou animais. – Mark Twain
Instrução do Dia
Não tenhas sonhos pequeninos, porque estes não têm o poder de mover o coração dos homens / Dream no small dreams for they have no power to move the hearts of men. - Göethe
Thursday, April 24, 2008
Frase do Dia
Todo aquele que não é capaz de curvar as coisas à sua vontade atribui-lhes um sentido, e assim se convence que há nelas uma vontade. – Friederich Nietzche
Dissertação do Dia
O Cómico
Se traçássemos um círculo em volta das acções e disposições que comprometem a vida social ou individual e que pelas suas consequências naturais a si próprias se castigam, ficaria fora deste terreno de emoção e luta, numa zona neutra onde o homem se dá simplesmente em espectáculo ao homem, uma certa rigidez de corpo, de espírito e de carácter, que a sociedade gostaria ainda de eliminar, para obter dos seus membros o máximo de maleabilidade e a mais alta sociabilidade possível. Esta rigidez é o cómico, e o riso é o seu castigo. Exemplos:
- Palavras dum deputado, interpelando um ministro no dia seguinte ao de um crime cometido no caminho-de-ferro: « O assassino, depois de ter morto a vítima, deve ter descido do comboio do outro lado da linha, violando os regulamentos administrativos. » (…)
- Um médico para o outro: « O raciocínio que acabais de fazer é tão douto e tão belo que é impossível que o doente não seja melancólico hipocondríaco; e mesmo que se desse o caso de o não ser, teria que passar a sê-lo, em homenagem à excelência das coisas que dissestes e ao acerto do raciocínio que fizestes. » (Molière) (…)
- Um filósofo contemporâneo, polemista encarniçado, a quem quiseram fazer ver que os seus raciocínios irrepreensivelmente deduzidos tinham contra si a experiência, pôs fim à discussão com estas simples palavras: « A experiência está errada! » (…)
- O senhor Perrichon, no momento de subir para a carruagem, verifica se não se esqueceu de nenhum dos seus volumes: « Quatro, cinco, seis, minha mulher sete, minha filha oito e eu nove. » (…)
- Uma mulher rabugenta exige do marido que ele faça todos os trabalhos domésticos; e dá-lhe os pormenores da sua tarefa numa lista. Ainda que ela caia para dentro de uma pipa, o marido recusa-se a ir tirá-la: « Não está na lista! » (…)
- Diz o preguiçoso: « Não gosto de trabalhar entre as refeições. » Ou: « Quando vires alguém a descansar, ajuda-o. » (…)
- Um amigo para o outro: «A Bolsa é um jogo perigoso. Ganha-se num dia, perde-se no dia seguinte ». Responde-lhe o outro: “Então, jogo dia sim, dia não. »
- Henri Bergson
Comparação do Dia
A diferença maior entre os homens pobres e os homens ricos está em que, enquantos os primeiros afogam as suas mágoas em água, os segundos fazem-no em leite.
- Criança Sobredotada Anónima
Wednesday, April 23, 2008
Frase do Dia
Descobrir formas de mostrar confiança em público, apesar das suas dúvidas e agitação, é algo que a maior parte dos líderes acha que deve fazer em determinados momentos das suas carreiras. – Joseph L. Badaracco, Jr.
Poema do Dia
Quase
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...
Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num grande mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dor! - quase vivido...
Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim - quase a expansão...
Mas na minh'alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!
De tudo houve um começo ... e tudo errou...
— Ai a dor de ser — quase, dor sem fim...
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou...
Momentos de alma que,desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ânsias que foram mas que não fixei...
Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol — vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...
Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...
Um pouco mais de sol — e fora brasa,
Um pouco mais de azul — e fora além.
Para atingir faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...
- Mário de Sá Carneiro
Vinho do Dia
Nas vitórias é merecido, nas derrotas é necessário. – Napoleão Bonaparte (acerca do Champagne)
Tuesday, April 22, 2008
Frase do Dia
Quanto mais uma cultura ganha em extensão, mais perde em profundidade… nos primórdios, pois isso conserta-se depois. O homem adapta-se. – Leão Kochnitzky
Pensamento Científico do Dia
A Sabedoria
O sábio actual não deve deixar-se tentar por pesquisas que transformem a ciência em culto da anedota. (…)
O espírito crítico que temos de preconizar e divulgar é uma atitude mental alicerçada, por um lado, mo carácter irredutível da pessoa humana e, por outro lado, no carácter sagrado da palavra. A palavra não é arbitrária, nem transformável, nem anárquica. Ela encontra-se presa pela raiz, tanto às coisas da alma como à natureza. (…)
A teoria política apenas consegue verificar um estado de coisas irreflectido, anacrónico, no qual se encaram as forças políticas sem nenhum espírito de objectividade; estas são mantidas ou combatidas sem escrúpulos, em obediência aos instintos. (…)
Mas as forças políticas são forças históricas que, caso as pretendamos dominar, devem ser analisadas com a mesma concentração, objectividade e sangue-frio que se utilizam no estudo das forças da natureza.
Assim, temos:
- Contra o maior poder daqueles que falam, deve haver uma maior resistência daqueles que escutam.
- O problema mais grave entre os homens foi sempre o de manter um certo equilíbrio no diálogo.
- O mestre e o pregador estão sempre um pouco desiquilibrados em relação aos restantes homens.
- Os media e o Estado ainda estão mais desiquilibrados.
- Se pretendemos alcançar o equilíbrio, devemos sempre esforçarmo-nos por remediar esse desiquilíbrio.
- A civilização do futuro deve ser uma dissimetria harmoniosa entre tolerância (ciência) e intransigência (técnica).
Porto do Dia
O Porto é o lugar onde para mim começam as maravilhas e todas as angústias. - Sophia de Mello Breyner
Provérbio do Dia
Amor de asno entra a coices e dentadas. — Dentes atque pedes asinini exordia amoris.
Monday, April 21, 2008
Frase do Dia
Um dos padrões de exigência de um verdadeiro líder é o de fazer melhorias identificáveis na vida de rostos identificáveis da sua comunidade. – A. D.
Poema do Dia
ou pelo amor. Este pousar de mãos,
tão reticente e que interroga a sós
a tépida secura acetinada,
a que palpita por adivinhada
em solitários movimentos vãos;
este pousar em que não estamos nós,
mas uma sêde, uma memória, tudo
o que sabemos de tocar desnudo
o corpo que não espera; este pousar
que não conhece, nada vê, nem nada
ousa temer no seu temor agudo...
Tem tanta pressa o corpo! E já passou,
quando um de nós ou quando o amor chegou.
- Jorge de Sena
Instrução do Dia
É preciso estar sempre embriagado! Para não sentirem o fardo incrível do tempo, que verga e inclina para a terra, é preciso que se embriaguem sem descanso. Com quê? Com vinho, poesia, ou virtude, a escolher. Mas embriaguem-se. - Charles Baudelaire
Sunday, April 20, 2008
Friday, April 18, 2008
Frase do Dia
Tudo aquilo que se aperfeiçoa mediante o progresso, perece igualmente em virtude desse mesmo progresso. Um dos exemplos mais flagrantes é a Cultura. - Pascal
Pensamento Anarquista e Revivalista do Dia
Teoria das Cavernas
Macia, ora bem! Potentes são as brocas, actualmente, por isso rapamos frio, de vez em quando, quando inadvertidamente furamos a nossa campânula. Desvios, fugas, ânsias de actividade ou de ócio, paixão, são coisas que raramente temos. Temos sim, uma saciedade desagradável e inibidora que nos silencia a verdade, e nos enfraquece o ímpeto.
Justifiquêmo-nos. Qualquer entusiasmo poderoso de outrem, tomado por nós como louco, dado que foge às nossas linhas normais de pensamento, produz um empolgamento frenético e extenuante, todavia irremediavelmente fugaz. As cavernas têm um grande poder de recuperação, restauram-se depressa.
Somos umas velhas cavernas a cheirar a mofo de tão pouco arejadas; vivemos a lutar contra as nossas impossibilidades e duma maneira bastante estúpida e ilógica, como seria de esperar; temos cavernas no lugar dos olhos e a nossa boca é uma toca manifestamente vazia de conteúdo nas palavras que dela saem.
Fugimos de nós e da nossa consciência de homens solidários com a nossa espécie. Pretendemos a modificação do mundo através do deixar correr e da esperança, queremos melhores quaisquer-coisas. Não interessa, afinal! Nunca mexeríamos uma palha que fosse, com vista a isso.
Somos um bando de tristes, que andam a monte e no mundo por ver andar os outros, e porque – isto é importante – não temos coragem sequer para perdoar quem atenta activamente contra si mesmo, pois morrer dói menos aos que vão… que aos que ficam.
Psicologia do Dia
Quem se apresenta como importante, fá-lo porque na realidade necessita de o fazer. Tem necessidade de reconhecimentos positivos por parte do ambiente exterior, para reforçar o seu sentimento de auto-estima. - Vera F. Birkenbihl
Definição do Dia
(em homenagem a Edward Lawrentz, falecido no dia anterior à da publicação deste texto)
Thursday, April 17, 2008
Frase do Dia
A tranquilidade, o silêncio, os pássaros e as tempestades são os tradutores da natureza. A linguagem daqueles é a sua linguagem. – C@nd.
Wednesday, April 16, 2008
Frase do Dia
O ódio à mentira e à dissimulação pode ser fruto do sentimento da honra; mas há um ódio semelhante que pode ser fruto do sentimento da cobardia, uma vez que a mentira é proibida pela lei divina: o cobarde que não ousa mentir. – Friederich Nietzche
Poema do Dia
Nas nossas ruas, ao anoitecer,
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.
O céu parece baixo e de neblina,
O gás extravasado enjoa-me, perturba-me;
E os edifícios, com as chaminés, e a turba
Toldam-se duma cor monótona e londrina.
Batem os carros de aluguer, ao fundo,
Levando à via-férrea os que se vão. Felizes!
Ocorrem-me em revista, exposições, países:
Madrid, Paris, Berlim, Sampetersburgo, o mundo!
Semelham-se a gaiolas, com viveiros,
As edificações somente emadeiradas:
Como morcegos, ao cair das badaladas,
Saltam de viga em viga, os mestres carpinteiros.
Voltam os calafates, aos magotes,
De jaquetão ao ombro, enfarruscados, secos,
Embrenho-me a cismar, por boqueirões, por becos,
Ou erro pelos cais a que se atracam botes.
E evoco, então, as crónicas navais:
Mouros, baixéis, heróis, tudo ressuscitado
Luta Camões no Sul, salvando um livro a nado!
Singram soberbas naus que eu não verei jamais!
E o fim da tarde inspira-me; e incomoda!
De um couraçado inglês vogam os escaleres;
E em terra num tinido de louças e talheres
Flamejam, ao jantar, alguns hotéis da moda.
Num trem de praça arengam dois dentistas;
Um trôpego arlequim braceja numas andas;
Os querubins do lar flutuam nas varandas;
Às portas, em cabelo, enfadam-se os lojistas!
Vazam-se os arsenais e as oficinas;
Reluz, viscoso, o rio, apressam-se as obreiras;
E num cardume negro, hercúleas, galhofeiras,
Correndo com firmeza, assomam as varinas.
Vêm sacudindo as ancas opulentas!
Seus troncos varonis recordam-me pilastras;
E algumas, à cabeça, embalam nas canastras
Os filhos que depois naufragam nas tormentas.
Descalças! Nas descargas de carvão,
Desde manhã à noite, a bordo das fragatas;
E apinham-se num bairro aonde miam gatas,
E o peixe podre gera os focos de infecção!
- Cesário Verde, Sentimento de um Ocidental, Tomo I
Corolários de Murphy do Dia
Lei do Trabalho:
- Tens vinte e quatro horas por dia para trabalhar e, se não chegar, ainda o poderás fazer à noite.
- Quando já não puderes mais, é quando podes mais.
- Quando já não puderes mesmo mais, trabalha que isso passa-te.
- Arthur Block e C@nd.
Humor Quente do Dia
A sombra ou se apresenta pela frente ou por trás. Nunca por cima... – “M”, dirigindo-se a James Bond, a propósito de uma operação sombra que ele teria de realizar para proteger uma Bond Girl qualquer, numa película recente de cujo título já não me recordo.
Tuesday, April 15, 2008
Frase do Dia
Estará a cultura em perigo? Mas naturalmente, a cultura está sempre em perigo, pois todos os valores estão sempre em perigo, se o não estivessem, não seriam valores. – G. Galogero
Pensamento do Dia
O Homem Culto
Todos nós conhecemos o homem culto. Convém referirmo-nos a ele como se falássemos de um velho parente que vimos de relance na juventude e acerca do qual se contavam na família algumas anedotas divertidas e por vezes bastante curiosas.
O homem culto tinha um espírito floreado, lera muitas coisas, possuía por vezes certa erudição, e exprimia-se numa linguagem cuja familiaridade de forma alguma nos fazia esquecer o culto que votava à sua pureza. Para ele, a cultura era um fim em si própria e ele apenas admitia conhecimentos literários ou científicos de natureza desinteressada. A sua aparência revelava muitas vezes o pouco caso que ele fazia da cultura física ou da higiene, embora desse mostras de certa garridice.
Agradava-lhe compor o aspecto externo da sua personagem. Esta correspondia à vida sedentária que levava e a um certo desprezo pelas contingências. Eis como nos recordamos de o ver a passar no Jardim do Luxemburgo, usando um sobretudo de peles e um chapéu de abas largas, sempre com um livro na mão, que ia lendo enquanto caminhava a passos curtos. Era um homem encantador, sem dúvida, desde que ninguém interrompesse a marcha do seu pensamento e lhe não perturbasse os hábitos, pois tinha hábitos que lhe eram sagrados e um pensamento que evoluía sempre em esferas bastante afastadas dos ruídos deste mundo.
No café, sentava-se atrás duma mesa sem tirar o chapéu, que conservava na cabeça enquanto lia o jornal. Sempre que fazia uma breve aparição na sociedade, onde o apreciavam precisamente por causa da sua cultura e da sua conversa, sabia falar às mulheres com espírito e galanteria. Perdoavam-lhe as originalidades pois o homem culto gozava o privilégio de ser original. O homem culto consideraria aliás de mau gosto referir-se às suas ocupações profissionais, que eram o seu ganha-pão; por vezes não tinha nenhumas, vivendo duma modesta renda ou dos lucros de uma empresa ou duma terra cuja administração confiava a alguém mais competente que ele. No entanto, quando lhe não era possível furtar-se à dura necessidade de exercer uma profissão ou de ocupar qualquer cargo, gostava de manifestar, embora sem ostentação, o desinteresse que lhe mereciam tais misérias. Tinha sempre bem presente que nada pode abalar a dignidade dos grandes homens.
A conversa do homem culto era deliciosa; sabia falar de tudo, não aprofundando nada. Possuía, portanto, um espírito crítico bastante desenvolvido. Ele próprio nada fazia que não fosse desinteressado; quer dizer que assimilava muitas coisas, evitando cuidadosamente comprometer-se com qualquer trabalho profundo, e sentia-se sobretudo à vontade quando criticava os outros. Atingia por vezes uma espécie de perfeição nessa crítica oral, tanto mais que os seus conhecimentos eram vastos e variados.
As pessoas ao escutá-lo sentiam por instantes a admiração pelo homem culto, pois, sempre que ele conseguia abandonar-se e revelar generosidade intelectual, os ouvintes sentiam-se tentados a participar da sua escola. Com frequência também, dava mostras duma espécie de pudor em revelar o fundo do seu pensamento e divertia-se a confundir os interlocutores com observações desconcertantes. Raros eram os amigos que iniciava nesses entusiasmos. Tais personagens inspiravam-se quase sempre numa escola de pintura pouco apreciada ou desconhecida dos críticos de arte, ou um escritor injustamente esquecido pelos manuais, ou ainda uma figura histórica cuja importância e génio haviam escapado aos historiadores. Tínhamos então a surpresa de descobrir que o homem culto adorava um ídolo qualquer. Mas não há dúvida de que possuía certas qualidades que os jovens hoje não têm. Lia os clássicos gregos e latinos com toda a facilidade, e sabia de cor extensas passagens de Corneille e Racine; estava perfeitamente familiarizado com as obras de Montaigne e de La Rochefoucauld; conhecia as diferentes edições deste ou daquele filósofo do século dezoito; estava a par dos amores dos reis; conservava a recordação deste ou daquele escritor ou homem político que o interessara na juventude; e falava eloquentemente das peripécias do caso Dreyfus. Evidentemente que tal tipo de conversa tinha um cero interesse; culminava por vezes em sínteses impressionantes, alumiavam-na certas observações que transcendiam as simples experiências livrescas; os ouvintes fixavam por vezes aqui uma fórmula, além um ensinamento. Mas ficávamos também desconcertados quando o nosso filósofo de café ou de salão se obstinava em nos apresentar como verdadeiro um paradoxo indefensável, ou quando fazia juízos peremptórios a respeito dos homens e dos acontecimentos quotidianos. Sentíamos que estava demasiado longe dos problemas e à margem da vida real.
Como sempre, tal espécie oferecia muitíssimas variantes individuais. O homem culto era um mecenas. Era coleccionador, bibliófilo, melómano, gastrónomo, purista, tinha a paixão da literatura, do teatro, da pintura, mas sempre como amador. Mas nada de desprezarmos excessivamente este termo de amador, pois ele vem de amar, nem o de diletante, pois o dilecto italiano tem um significado que enobrece todos quantos são capazes de se deliciar com as coisas do espírito e da arte. Quer fosse por timidez, quer fosse por egoísmo, a maioria das vezes o homem culto preferia conservar secreto o objecto da sua paixão que fazia as suas delícias. Recordava-se sem dúvida das pérolas que não se devem atirar aos porcos. As pessoas que se cultivavam desta forma sentiam-se muito acima da gente vulgar. Como poderia esta na verdade apreciar devidamente um produto cuja fruição exige tanta delicadeza e finura de espírito, mesmo até refinamento? No entanto, sucedia que o homem culto não era insensível às ideias generosas. Acima de tudo, interessava-o a liberdade individual, que lhe permitia dizer tudo ou fazer tudo quanto lhe passava pela cabeça, desde que respeitasse as conveniências, ou mantivesse as aparências. E isto explicava-se porque, apesar do seu aparente inconformismo, e embora se isolasse de bom grado do mundo circundante, continuava a respeitar os preconceitos.
Caso os ultrapassasse ou os negasse, isso poderia pôr em perigo a paz e a harmonia da sua vida, o que, à luz da sua concepção de cultura, o poderia afastar dela, precipitando-o em qualquer trapalhada. Ora o homem culto tinha um pavor medonho das trapalhadas; abstinha-se de descer à arena e, a não ser que fosse arrastado à força para qualquer conversa erudita, evitava qualquer espécie de compromisso que lhe pudesse causar um incómodo pessoal. (…)
Certo dia, em que interrogávamos o homem culto acerca daquilo que ele considerava serem os atributos permanentes pelos quais era possível reconhecer se um país estava verdadeiramente civilizado, ele respondeu-nos:
- Vejo três critérios. Primeiro, o bem falar, pois a civilização caracteriza-se pela arte da conversa. Em seguida, o bem comer, pois o país que produziu uma boa cozinha denota necessariamente um nível de civilização apreciável. Por fim, o bem dormir; um país onde até uma camponesa sabe fazer uma cama e cujos habitantes possam satisfazer a necessidade de repousarem numa cama bem feita é sem dúvida um país civilizado. (…)
Definição do Dia
A cultura é a possibilidade de que os homens dispõem para compreender os outros, para eles próprios se equilibrarem, a fim de lhes ser possível vencer os períodos de abatimento. – G. Galogero
Provérbio do Dia
Remenda teu pano, durará mais um ano; remenda outra vez, durará mais um mês; torna a remendar, para então se acabar. — Se vestem repares, longum durabis in annum.
Monday, April 14, 2008
Frase do Dia
Deus não só joga aos dados, como às vezes atira-os para onde não se podem ver. - Stephen William Hawkig
Poema do Dia
Aquela senhora tem um piano
Que é agradável mas não é o correr dos rios
Nem o murmúrio que as árvores fazem...
Para que é preciso ter um piano?
O melhor é ter ouvidos
E amar a Natureza.
- Alberto Caeiro (Fernando Pessoa)
Provérbio do Dia
Quem diz o que quer, ouve o que não quer. — Quis quae vult dicit, quae non vult audit.
Sunday, April 13, 2008
Friday, April 11, 2008
Frase do Dia
A eficácia da cultura não está ligada ao número de conhecimentos, mas à sua coordenação orgânica, a única que nos pode fazer encontrar já pronto no nosso espírito o enquadramento de qualquer conhecimento novo. – Guido G. Boni
Texto Literário do Dia
O Cágado
Havia um homem que era muito senhor da sua vontade. Andava às vezes sozinho pelas estradas a passear. Por uma dessas vezes viu no meio da estrada um animal que parecia não vir a propósito — um cágado.
O homem era muito senhor da sua vontade, nunca tinha visto um cágado; contudo, agora estava a acreditar. Acercou-se mais e viu com os olhos da cara que aquilo era, na verdade, o tal cágado da zoologia.
O homem que era muito senhor da sua vontade ficou radiante, já tinha novidades para contar ao almoço, e deitou a correr para casa. A meio caminho pensou que a família era capaz de não aceitar a novidade por não trazer o cágado com ele, e parou de repente. Como era muito senhor da sua vontade, não poderia suportar que a família imaginasse que aquilo do cágado era história dele, e voltou atrás. 0uando chegou perto do tal sítio, o cágado, que já tinha desconfiado da primeira vez, enfiou buraco abaixo como quem não quer a coisa.
O homem que era muito senhor da sua vontade pôs-se a espreitar para dentro e depois de muito espreitar não conseguiu ver senão o que se pode ver para dentro dos buracos, isto é, muito escuro. Do cágado, nada. Meteu a mão com cautela e nada; a seguir até ao cotovelo e nada; por fim o braço todo e nada. Tinham sido experimentadas todas as cautelas e os recursos naturais de que um homem dispõe até ao comprimento do braço e nada.
Então foi buscar auxílio a uma vara compridíssima, que nem é habitual em varas haver assim tão compridas, enfiou-a pelo buraco abaixo, mas o cágado morava ainda muito mais lá para o fundo. Quando largou a vara, ela foi por ali abaixo, exatamente como uma vara perdida.
Depois de estudar novas maneiras, a ofensiva ficou de facto submetida a nova orientação. Havia um grande tanque de lavadeiras a dois passos e ao lado do tanque estava um bom balde dos maiores que há. Mergulhou o balde no tanque e, cheio até mais não, despejou-o inteiro para dentro do buraco do cágado. Um balde só já ele sabia que não bastava, nem dez, mas quando chegou a noventa e oito baldes e que já faltavam só dois para cem e que a água não havia meio de vir ao de cima, o homem que era muito senhor da sua vontade pôs-se a pensar em todas as espécies de buracos que possa haver.
— E se eu dissesse à minha família que tinha visto o cágado? - pensava para si o homem que era muito senhor da sua vontade. Mas não! Toda a gente pode pensar assim menos eu, que sou muito senhor da minha vontade.
O maldito sol também não ajudava nada. Talvez que fosse melhor não dizer nada do cágado ao almoço. A pensar se sim ou não, os passos dirigiam-se involuntariamente para as horas de almoçar.
— Já não se trata de eu ser um incompreendido com a história do cágado, não; agora trata-se apenas da minha força de vontade. É a minha força de vontade que está em prova, esta é a ocasião propícia, não percamos tempo! Nada de fraquezas!
Ao lado do buraco havia uma pá de ferro, destas dos trabalhadores rurais. Pegou na pá e pôs-se a desfazer o buraco. A primeira pazada de terra, a segunda, a terceira, e era uma maravilha contemplar aquela majestosa visibilidade que punha os nossos olhos em presença do mais eficaz testemunho da tenacidade, depois dos antigos. Na verdade, de cada vez que enfiava a pá na terra, com fé, com robustez, e sem outras intenções a mais, via-se perfeitamente que estava ali uma vontade inteira; e ainda que seja cientificamente impossível que a terra rachasse de cada vez que ele lhe metia a pá, contudo era indiscutivelmente esta a impressão que lhe dava. Ah, não! Não era um vulgar trabalhador rural. Via-se perfeitamente que era alguém muito senhor da sua vontade e que estava por ali por acaso, por imposição própria, contrafeito, por necessidade do espírito, por outras razões diferentes das dos trabalhadores rurais, no cumprimento de um dever, um dever importante, uma questão de vida ou de morte — a vontade.
Já estava na nonagésima pazada de terra; sem afrouxar, com o mesmo ímpeto da inicial, foi completamente indiferente por um almoço a menos. Fosse ou não por um cágado, a humanidade iria ver solidificada a vontade de um homem.
A mil metros de profundidade a pino, o homem que era muito senhor da sua vontade foi surpreendido por dolorosa dúvida — já não tinha nem a certeza se era a qüinquagésima milionésima octogésima quarta. Era impossível recomeçar, mais valia perder uma pazada.
Até ali não havia indícios nem da passagem da vara, da água ou do cágado. Tudo fazia crer que se tratava de um buraco supérfluo; contudo, o homem era muito senhor da sua vontade, sabia que tinha de haver-se de frente com todas as más impressões. De facto, se aquela tarefa não houvesse de ser árdua e difícil, também a vontade não podia resultar superlativamente dura e preciosa.
Todas as noções de tempo e de espaço, e as outras noções pelas quais um homem constata o quotidiano, foram todas uma por uma dispensadas de participar no esburacamento. Agora, que os músculos disciplinados num ritmo único estavam feitos ao que se quer pedir, eram desnecessários todos os raciocínios e outros arabescos cerebrais, não havia outra necessidade além da dos próprios músculos.
Umas vezes a terra era mais capaz de se deixar furar por causa das grandes camadas de areia e de lama; todavia, estas facilidades ficavam bem subtraídas quando acontecia ser a altura de atravessar uma dessas rochas gigantescas que há no subsolo. Sem incitamento nem estímulo possível por aquelas paragens, é absolutamente indispensável recordar a decisão com que o homem muito senhor da sua vontade pegou ao princípio na pá do trabalhador rural para justificarmos a intensidade e a duração desta perseverança. Inclusive, a própria descoberta do centro da Terra, que tão bem podia servir de regozijo ao que se aventura pelas entranhas do nosso planeta, passou infelizmente desapercebida ao homem que era muito senhor da sua vontade. O buraco do cágado era efetivamente interminável. Por mais que se avançasse, o buraco continuava ainda e sempre. Só assim se explica ser tão rara a presença de cágados à superfície devido à extensão dos corredores desde a porta da rua até aos aposentos propriamente ditos.
Entretanto, cá em cima na terra, a família do homem que era muito senhor da sua vontade, tendo começado por o ter dado por desaparecido, optara, por último, pelo luto carregado, não consentindo a entrada no quarto onde ele costumava dormir todas as noites.
Até que uma vez, quando ele já não acreditava no fim das covas, já não havia, de facto, mais continuação daquele buraco, parava exatamente ali, sem apoteose, sem comemoração, sem vitória, exatamente como um simples buraco de estrada onde se vê o fundo ao sol. Enfim, naquele sítio nem a revolta servia para nada.
Caindo em si, o homem que era muito senhor da sua vontade pediu-lhe decisões, novas decisões, outras; mas ali não havia nada a fazer, tinha esquecido tudo, estava despejado de todas as coisas, só lhe restava saber cavar com uma pá. Tinha, sobretudo, muito sono, lembrou-se da cama com lençóis, travesseiro e almofada fofa, tão longe! Maldita pá! 0 cágado! E deu com a pá com força no fundo da cova. Mas a pá safou-se-lhe das mãos e foi mais fundo do que ele supunha, deixando uma greta aberta por onde entrava uma coisa de que ele já se tinha esquecido há muito - a luz do sol. A primeira sensação foi de alegria, mas durou apenas três segundos, a segunda foi de assombro: teria na verdade furado a Terra de lado a lado?
Para se certificar alargou a greta com as unhas e espreitou para fora. Era um país estrangeiro; homens, mulheres, árvores, montes e casas tinham outras proporções diferentes das que ele tinha na memória. 0 sol também não era o mesmo, não era amarelo, era de cobre cheio de azebre e fazia barulho nos reflexos. Mas a sensação mais estranha ainda estava para vir: foi que, quando quis sair da cova, julgava que ficava em pé em cima do chão como os habitantes daquele país estrangeiro, mas a verdade é que a única maneira de poder ver as coisas naturalmente era pondo-se de pernas para o ar...
Como tinha muita sede, resolveu ir beber água ali ao pé e teve de ir de mãos no chão e o corpo a fazer o pino, porque de pé subia-lhe o sangue à cabeça. Então, começou a ver que não tinha nada a esperar daquele país onde nem sequer se falava com a boca, falava-se com o nariz.
Vieram-lhe de uma vez todas as saudades da casa, da família e do quarto de dormir. Felizmente estava aberto o caminho até casa, fora ele próprio quem o abrira com uma pá de ferro. Resolveu-se. Começou a andar o buraco todo ao contrário. Andou, andou, andou; subiu, subiu, subiu...
Quando chegou cá acima, ao lado do buraco estava uma coisa que não havia antigamente — o maior monte da Europa, feito por ele, aos poucochinhos, às pazadas de terra, uma por uma, até ficar enorme, colossal, sem querer, o maior monte da Europa.
Este monte não deixava ver nem a cidade onde estava a casa da família, nem a estrada que dava para a cidade, nem os arredores da cidade que faziam um belo panorama. O monte estava por cima disto tudo e de muito mais.
O homem que era muito senhor da sua vontade estava cansadíssimo por ter feito duas vezes o diâmetro da Terra. Apetecia-lhe dormir na sua querida cama, mas para isso era necessário tirar aquele monte maior da Europa, de cima da cidade, onde estava a casa da sua família. Então, foi buscar outra pá dos trabalhadores rurais e começou logo a desfazer o monte maior da Europa. Foi restituindo à Terra, uma por uma, todas as pazadas com que a tinha esburacado de lado a lado. Começavam já a aparecer as cruzes das torres, os telhados das casas, os cumes dos montes naturais, a casa da sua família, muita gente suja de terra, por ter estado soterrada, outros que ficaram aleijados, e o resto como dantes.
O homem que era muito senhor da sua vontade já podia entrar em casa para descansar, mas quis mais, quis restituir à Terra todas as pazadas, todas. Faltavam poucas, algumas dúzias apenas. Já agora valia a pena fazer tudo bem até ao fim. Quando já era a última pazada de terra que ele ia meter no buraco, portanto a primeira que ele tinha tirado ao princípio, reparou que o torrão estava a mexer por si, sem ninguém lhe tocar; curioso, quis ver porque era — era o cágado.
- José de Almada Negreiros
Definição Psicológica do Dia
A percepção arranca, na totalidade das imagens que constituem o universo, as que são úteis à realização das minhas tendências. – Bergson
Thursday, April 10, 2008
Frase do Dia
Os líderes de carne e osso (…) são profundamente motivados, mas os seus motivos são emocionais e altamente pessoais. Têm origem no mais profundo do seu íntimo e têm pouco que ver com recompensas financeiras ou incentivos da mesma ordem. Netsa perspectiva, os indivíduos que acordam de manhã com a ideia de maximizar o valor presente de uma quantidade de capital ajustada ao risco, precisam de terapia ou estão sujeitos a serem ridicularizados. – Joseph L. Badaracco, Jr.
Poema do Dia
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.
O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já foi coberto de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.
E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.
- Luís de Camões
Humor Machista do Dia
- É como lhe digo. Como é que querem os homens controlar o mundo se não podem controlar as suas mulheres?
– C@nd.
Slogan Indecente do Dia
Numa retrete: Amar sem ser amado, é como limpar o cu sem ter cagado. – Ana@rca Desc.
Wednesday, April 9, 2008
Pensamento do Dia
É legítimo afirmar que a desadaptação é o motor do crescimento. Se num dado momento de ontogénese uma estrutura em equilíbrio não é utilizada, se o sujeito permanece adaptado ao nível já adquirido, isso significa, ipso-facto, a paragem do crescimento.
A psicogénese, evolução de diferenciação-organização, caracteriza-se por uma série de “escalões de equilíbrio” (modos de funcionamento organizado) e de transformações, que tomam o aspecto de crises. Daí a alternância entre os sistemas de comportamento adaptados e as fases em que são predominantes as características inadaptadas. Isto é vulgar, desejável e necessário. Mas as armadilhas, os desvios, os riscos à trajectória são numerosos. Tanto maiores quanto mais vulnerável for o indivíduo. Os elementos provisoriamente desligados podem ficar relativamente isolados, ou apenas conseguirem aglomerar-se num subconjunto mal encadeado, naquilo que, por outras vias, se reconstrói. Algumas destas condutas inadaptadas que surgem em períodos de crise, podem fixar-se, cada vez mais privadas do seu sentido aparente, uma vez que tentam obter benefícios ignorados pelo próprio sujeito, mas bem reais. Finalmente, pode operar-se a reorganização de modo prejudicial, a duplo nível. Por um lado, o equilíbrio assim estabelecido pode ser mantidoà custa da absorção de grande parte da energia disponível (cuja ruptura gera catástrofes). Isto significa que o sujeito refugia-se numa esfera de actividades adaptadas, é certo, mas limitadas. Por outro lado, o sistema de comportamentos pessoais pode em si mesmo englobar condutas inadaptadas em relação às “regras do jogo” que vigoram, e estas condutas podem ser quase indestrutíveis, por indispensáveis à manutenção da coerência pessoal que o sujeito se esforça por preservar. Observa-se, em casos deste género, a inutilidade de um sistema penal que supõe poder impedir, pelo manejo de meras punições, a reprodução daquelas condutas cuja condenação foi juridicamente codificada; um sistema penal que, além do mais, ignora que a própria punição pode ser procurada, a título de verificação da coerência do sistema.
- Roger Perron
Interpelação de Humor Negro e Anarco-Racista do Dia
Não sou racista. Tanto aperto a mão a um branco como um pescoço a um preto. – A. D.
(a minha interpelação preferida, quando os meus amigos negros metem água, que nunca levaram a mal, antes pelo contrário, pois foram eles que ma contaram, embora exactamente ao contrário...)
Tuesday, April 8, 2008
Frase do Dia
Não se odeia enquanto se despreza, mas só quando se preza algo como igual ou superior. – Friederich Nietzche
Confusão do Dia
É um erro confundir o desejar com o querer. O desejo mede obstáculos; a vontade vence-os. – Alexandre Herculano
Porto do Dia
Se na nossa cidade há muito quem troque o b por v, há pouco quem troque a liberdade pela servidão. - Almeida Garrett
Monday, April 7, 2008
Frase do Dia
Os que desconfiam, ainda que sejam débeis, não se vêem oprimidos pelos poderosos; mas os confiados, ainda que sejam fortes, vêem-se oprimidos pelos débeis. – Panchatantra.
Porto do Dia
Uma ida ao Porto é sempre uma lição de portuguesismo, tanto mais rica quanto mais raramente lá se vai. É indispensável – claro! - um mínimo de contacto reiterado com esse lar da nação para nele vermos algumas das significações latentes que enriquecem a nossa consciência de práticas. - Vitorino Nemésio
Humor Sexista do Dia
DICIONÁRIO FEMININO
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Sim. = Não.
Não. = Sim.
Talvez... = Não.
Não sei se será assim. = Vai ser como eu quero.
Nós queremos. = EU quero.
Faz como quiseres. = Vais pagar muito caro por isto!
Precisamos de conversar... = Agora vais ouvir.
Vai em frente. = Não quero que vás.
Não estou chateada. = É lógico que estou chateada.
Sê romântico, apaga as luzes... = Sinto-me gorda.
Esta cozinha não dá muito jeito... = Quero uma casa nova.
Até que ponto me amas? = Fiz algo que não vais gostar de saber...
Estou pronta num minuto! = Tira os sapatos, escolhe um canal de TV e relaxa.
Estou gorda? = Diz que estou bonita.
Precisas de aprender a comunicar. = Concorda sempre comigo.
Não estou a gritar! = VOU PARTIR ESTA MERDA TODA!
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DICIONÁRIO MASCULINO
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Estou com fome. = Estou com fome.
Estou com sono. = Estou com sono.
Estou cansado. = Estou cansado.
Queres ir ao cinema? = Vamos dar uma queca ?
Posso convidar-te para jantar? = Vamos dar uma queca ?
Posso ligar-te? = Vamos dar uma queca ?
Queres dançar comigo? = Vamos dar uma queca ?
Bonito vestido! = Que decote! Vamos dar uma queca!
Pareces tensa... Deixa-me fazer-te uma massagem. = Vamos dar uma queca.
Estou chateado. = Vamos dar uma queca.
Amo-te! = Vamos dar uma queca, agora!
Estás irresistível! = Estou desesperadinho por te dar uma queca.
Vamos conversar... = Vamos dar uma queca...
Queres casar comigo? = Não quero que andes por aí a dar quecas com outros.
Gosto mais desse... = Qualquer vestido serve, vamos dar uma queca duma vez!
(Texto gentilmente enviado pelo meu estimado colega e amigo, Pedro Rios)
Provérbio Melhorado do Dia
Quem fala muito acerta pouco. Quem fala pouco... ainda acerta menos. – C@nd.
Saturday, April 5, 2008
Frase do Dia
Eu confio nos meus inimigos. Deles já sei o que posso contar e já não espero qualquer surpresa!… Agora, dos meus amigos… - A. D.
Friday, April 4, 2008
Frase do dia
Um sintoma de fracasso de um objectivo é o começo da preocupação com a utilização de atalhos para o atingir. – Joseph L. Badaracco, Jr.
Anedota do Dia
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Num jardim encontravam-se duas estátuas, de frente uma para a outra. Uma feminina, outra masculina. Um dia apareceu um anjo que lhes disse:
- Como vocês têm sido duas estátuas exemplares, trazendo tanto deleite a quem vos contempla, vou vos conceder 30 minutos de vida para que possam fazer o que quiserem. Assim que o anjo se calou as estátuas ganharam vida. Olharam uma para a outra, sorriram e correram para trás de uns arbustos.
O anjo sorriu ao ouvir as suas risadinhas, enquanto se ouvia o barulho dos arbustos e restolhar de folhas. 15 minutos depois, as duas estátuas saíram de trás das árvores com ar de grande satisfação. O anjo ficou algo confuso e perguntou-lhes:
- Ainda vos restam 15 minutos! Não querem aproveitar esse tempo ?
A estátua masculina olhou para a sua companheira e perguntou-lhe:
- Queres repetir ?
Sorrindo a estátua feminina respondeu:
- Claro! Mas desta vez seguras tu no pombo e cago-lhe eu na cabeça!
-A. D.
Pensamento do Dia
Se no futuro, um regime de equilíbrio conseguisse impor-se ao mundo humano, a injustiça, a arbitrariedade e o abuso do poder teriam por força de fazer parte do seu instrumental. (…)
Para mim, neste momento exacto, a civilização é o conjunto de receitas e tradições, das doutrinas morais e religiosas, das regras sociais, das filosofias, das obras de arte, dos métodos e das disciplinas científicas, de todos os conhecimentos que, transmitidos pelo ensino do mestre e pelas práticas da leitura, permitem à humanidade ultrapassar e vencer as forças do instinto. (…)
Os meios audiovisuais de comunicação situam-se na primeira fila das invenções cujo uso imoderado e desastrado tende a corromper e talvez arruinar a faculdade de atenção, princípio de toda a cultura.
- Georges Duhamel
Vinho do Dia
O vinho, a mais gentil das bebidas, devido quer a No, que plantou a vinha, quer a Baco, que espremeu o sumo de uva, data da infância do mundo. - Brillat-Savarin
Thursday, April 3, 2008
Frase do Dia
Começamos a desconfiar das pessoas muito inteligentes, quando ficam embaraçadas. – Friederich Nietzche
Poema do Dia
CONTRARIEDADES
Eu hoje estou cruel, frenético, exigente;
Nem posso tolerar os livros mais bizarros.
Incrível! Já fumei três maços de cigarros
Consecutivamente.
Dói-me a cabeça. Abafo uns desesperos mudos:
Tanta depravação nos usos, nos costumes!
Amo, insensatamente, os ácidos, os gumes
E os ângulos agudos.
Sentei-me à secretária. Ali defronte mora
Uma infeliz, sem peito, os dois pulmões doentes;
Sofre de faltas de ar, morreram-lhe os parentes
E engoma para fora.
Pobre esqueleto branco entre as nevadas roupas!
Tão lívida! O doutor deixou-a. Mortifica.
Lidando sempre! E deve conta à botica!
Mal ganha para sopas...
O obstáculo estimula, torna-nos perversos;
Agora sinto-me eu cheio de raivas frias,
Por causa dum jornal me rejeitar, há dias,
Um folhetim de versos.
Que mau humor! Rasguei uma epopeia morta
No fundo da gaveta. O que produz o estudo?
Mais uma redacção, das que elogiam tudo,
Me tem fechado a porta.
A crítica segundo o método de Taine
Ignoram-na. Juntei numa fogueira imensa
Muitíssimos papéis inéditos. A Imprensa
Vale um desdém solene.
Com raras excepções, merece-me o epigrama.
Deu meia-noite; e a paz pela calçada abaixo,
Um sol-e-dó. Chuvisca. O populacho
Diverte-se na lama.
Eu nunca dediquei poemas às fortunas,
Mas sim, por deferência, a amigos ou a artistas.
Independente! Só por isso os jornalistas
Me negam as colunas.
Receiam que o assinante ingénuo os abandone,
Se forem publicar tais coisas, tais autores.
Arte? Não lhes convém, visto que os seus leitores
Deliram por Zaccone.
Um prosador qualquer desfruta fama honrosa,
Obtém dinheiro, arranja a sua coterie;
E a mim, não há questão que mais me contrarie
Do que escrever em prosa.
A adulação repugna aos sentimento finos;
Eu raramente falo aos nossos literatos,
E apuro-me em lançar originais e exactos,
Os meus alexandrinos...
E a tísica? Fechada, e com o ferro aceso!
Ignora que a asfixia a combustão das brasas,
Não foge do estendal que lhe humedece as casas,
E fina-se ao desprezo!
Mantém-se a chá e pão! Antes entrar na cova.
Esvai-se; e todavia, à tarde, fracamente,
Oiço-a cantarolar uma canção plangente
Duma opereta nova!
Perfeitamente. Vou findar sem azedume.
Quem sabe se depois, eu rico e noutros climas,
Conseguirei reler essas antigas rimas,
Impressas em volume?
Nas letras eu conheço um campo de manobras;
Emprega-se a réclame, a intriga, o anúncio, a blague,
E esta poesia pede um editor que pague
Todas as minhas obras...
E estou melhor; passou-me a cólera. E a vizinha?
A pobre engomadeira ir-se-á deitar sem ceia?
Vejo-lhe a luz no quarto. Inda trabalha. É feia...
Que mundo! Coitadinha!- Cesário Verde
Wednesday, April 2, 2008
Frase do Dia
Quem, ante um inimigo terrível, não perde a serenidade, não chega a ser dominado. – A. D.
Texto Literário e Revivalista do Dia
Há muitos anos a política em Portugal apresenta este singular estado:
Doze ou quinze homens, sempre os mesmos, alternadamente, possuem o poder, perdem o poder, reconquistam o poder, trocam o poder… O poder não sai duns certos grupos, como uma péla que quatro crianças, aos quatro cantos de uma sala, atiram umas às outras, pelo ar, numa explosão de risadas.
Quando quatro ou cinco daqueles homens estão no poder, esses homens são, segundo a opinião e os dizeres de todos os outros que lá não estão, - os corruptos, os esbanjadores da fazenda, a ruína do país, e outras injúrias pequenas, mais particularmente dirigidas aos seus carácteres e às suas famílias.
Os outros, os que não estão no poder são, segundo a sua própria opinião e os seus jornais – os verdadeiros liberais, os salvadores da causa pública, os amigos do povo, os interesses do país e a pátria.
Mas, cousa notável!
Os cinco que estão no poder, fazem tudo o que podem – intrigam, trabalham, para continuar a ser os esbanjadores da fazenda e a ruína do país, durante o maior tempo possível! E os que não estão no poder movem-se, conspiram, cansam-se para deixar de ser – o mais depressa que puderem – os verdadeiros liberais e os interesses do país!
Até que enfim caem os cinco do poder, e os outros – os verdadeiros liberais – entram triunfalmente na designação herdada de esbanjadores da fazenda e ruína do país, e os que caíram do poder, resignam-se cheios de fel e de amargura – a vir ser os verdadeiros liberais e os interesses do país!"